A lamotrigina pode induzir viradamaníaca?
Elie Cheniaux*Allan Dias*José Luiz M. Lessa*Marcio Versiani*
n a m a ni a ag u da n em n a p re v e nç ã o d eepisódios maníacos, é eficaz na fase aguda
da DBP5 e na profilaxia de novos episódios
mania ou o da depressão unipolar1,2. Até o
U m a g r a n d e v a n t a g e m d o u s o d a
eficácia comprovada na DBP em pelo menos
atividade antidepressiva, ela está associada
dois ensaios clínicos controlados3. Além disso,
a uma taxa baixa de virada para a mania ou
há s em pre a pr eo c u paç ão de q ue o
h ip om an ia , m es mo e m m on ot e ra pi a. N o
estudo de Calabrese et al.5, apenas 5,4% dos
maníaca nos pacientes bipolares, o que é
deprimidos bipolares que fizeram uso dessa
bastante comum com os tricíclicos4. Por outro
substância apresentaram uma virada, contra
lado, os estabilizadores do humor (entre eles o
4 , 6 % d o s q u e t o m a r a m p l a c e b o , u m a
lítio, a carbamazepina e o valproato) parecem
dif erenç a não s ign ific ativ a . E n o es t udo
s e r mai s efi c a z es n a m an ia do qu e na
aberto de McElroy et al.9, durante 1 ano de
depressão5 e estão associados a um prejuízo
tratamento de manutenção com a lamotrigina
após um epis ódio de DPB, os pac ientes
A lamotrigina é um anticonvulsivante que
apresentaram menos episódios maníacos ou
v e m s e nd o ut i l i z a d o n o t ra t a me n t o d o
hipomaníacos do que no ano anterior. Uma
trans to rno bipolar ( TBP). Vários es tudos
outra importante característica da lamotrigina
clínicos indicam que, embora ela não seja útil
é a d e a p a r e n t e m e n t e n ã o a l t e r a r ac o g n i ç ã o 6,10.
medicamento tem sido associado a um riscoa c e n t u a d o d e r e a ç õ e s d e r m a t o l ó g i c a s
* Programa de Ansiedade e Depressão, Subprograma de Transtorno
(rashes), em geral benignas, mas algumas
Bipolar, Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), Rio de Janeiro, RJ.
Recebido em 16/05/2005. Revisado em 16/05/2005. Aceito em 17/05/2005. Lamotrigina e virada maníaca – Cheniaux et alii
dias alternados. Dias depois, já com a dose de
25 mg ao dia, o paciente havia apresentado
Cláudio é natural do Rio de Janeiro (onde
um a mel ho ra s i gni fi c a tiv a dos s int om as
reside), é separado, tem nível superior e é
depressivos, não sofria nenhum efeito colateral
e estava bastante confiante em relação ao
importantes instituições públicas do país. Em
tratamento. No mês seguinte, em dezembro, a
novembro de 2000, aos 35 anos, ele estava
dose foi aumentada para 50 mg ao dia e, 10
licenciado do emprego para cursar doutorado.
dias depois, Cláudio entrou no que parecia ser
At é ent ão já ha v i a a pr es e nta do v á ri os
um episódio maníaco. Ficou irritado, tornou-se
episódios depressivos – o primeiro aos 14 anos
arrogante e suspicaz – mas não delirante – e
– e hipomaníacos, mas jamais fora internado
passou a gastar dinheiro em excesso, sendo
em um hospital psiquiátrico. O diagnóstico
que sua libido aumentou muito. O paciente foi
formulado na época foi o de TBP tipo II.
orientado a parar imediatamente a medicação
e, c erc a de 15 di as de poi s , to da a
Cláudio fez uso de lítio e fluoxetina (algumas
sintomatologia havia desaparecido. Em março
v ez es a s s oc iados a n ortr iptil ina) . Ne s s e
período, os sintomas depressivos flutuaram
ps ic otr ópi c o , a pr es e nt ou nov am ent e um
muito: Cláudio chegou a ficar inteiramente
assintomático, mas houve momentos em quepiorou significativamente, tendo apresentado
inclusive ideação suicida. Em agosto de 2001,quando Cláudio “virou” para um quadro de
No TBP tipo II, é de enorme importância o
hipomania, toda a medicação foi retirada, tendo
tratamento dos episódios depressivos, os quais
sido introduzido o divalproato em monoterapia.
são mais numerosos, longos e graves do que
Em dezembro de 2001, por iniciativa própria,
os hi pom aní ac o s 3. Al ém d is s o, n es s e
Cláudio interrompeu o uso do medicamento,
transtorno mental, o risco de suicídio é maior
que até então vinha usando de forma irregular,
do que na depressão unipolar e no TBP tipo I2.
queixando-se de sedação ex ces siv a e de
De acordo com as diretrizes terapêuticas
dificuldades para se concentrar e pensar.
formuladas por especialistas internacionais,
nos casos mais leves de DBP, o lítio deve ser
2004, Cláudio não aceitava tomar nenhum
usado, em monoterapia. Já nos casos mais
remédio psiquiátrico. Nesse período, tornou-se
grav es , a primeira alternativa dev e ser a
um ciclador rápido, tendo apresentado muitos
associação de um estabilizador do humor com
episódios depressivos, seguramente mais de
um antidepres sivo. Os estabilizadores do
10 ao ano, que eram de intensidade leve a
humor mais indicados são o lítio e a lamotrigina,
moderada e duravam, em média, cerca de 4
mas o valproato e a carbamazepina também
dias apenas. Episódios de hipomania foram
raros e muito curtos, durando às vezes poucas
ant idepre s s iv o s , a p referê nc ia rec ai nos
horas e, no máximo, 1 ou 2 dias. Ele não
in ib ido res s ele ti v os d e r ec a pt aç ã o de
conseguiu concluir o doutorado, mas, apesar
serotonina, na bupropiona e na venlafaxina,
dos freqüentes episódios depressivos, voltou a
que induziriam uma virada para a mania menos
trabalhar, e até conseguiu um cargo de chefia,
freqüentemente do que os demais1,3,12,13.
o qual exercia com sucesso. De vez em quando
Não se sabe se os episódios depressivos
faltava ao trabalho ou chegava atrasado, mas,
no TBP tipo II respondem aos medicamentos
uma vez remitida a depressão, voltava ao ritmo
da mesma forma que no TBP tipo I2. Não há
estudos controlados sobre o tratamento da
depressão em bipolares do tipo II, e os estudos
ag or a 3 9 ano s –, c om o os ep is ó di os
abertos são muito raros por enquanto. Nestes,
foram encontradas respostas favoráveis com a
mais comuns, o próprio paciente solicitou voltar
fluoxetina14,15, com a venlafaxina16 e também
a fazer uso de medicação. No entanto, não
ad mi tia t oma r nov am ent e o l ít io ou o
No tratamento de Cláudio, correspondendo
divalproato, que, segundo ele, alteravam seu
às expectativas, a lamotrigina levou a uma
desempenho intelectivo, o qual era essencial
melhora dos sintomas depressivos, sem causar
efeitos colaterais relativos à cognição. Todavia
A lamo tri gina fo i en tão pre s c r ita em
(o que foi s urpreendente), sua presc riç ão
monoterapia, numa dose inicial de 12,5 mg em
esteve associada a uma virada maníaca. Não é
Rev Psiquiatr RS maio/ago 2005;27(2):206-209
Lamotrigina e virada maníaca – Cheniaux et alii
possível afirmar com certeza que a lamotrigina
episode. J Clin Psychopharmacol. 1998;18:435-40.
tenha sido a causa desse evento, já que o
15. Simpson SG, DePaulo JR. Fluoxetine treatment of bipolar
mesmo pode ocorrer em uso de placebo. Além
II depression. J Clin Psychopharmacol. 1991;11:52-4.
disso, pode ter havido uma mera coincidência:
16. Amsterdam J. Efficacy and safety of venlafaxine in the
treatment of bipolar II major depressive episode. J Clin
um episódio maníaco iria emergir mesmo que
Cláudio não es tiv es s e tomando nenhuma
17. Vieta E, Goikolea M, Benabarre A, Torrent C, Comes M,
medicação, em função do curso natural de sua
MartInez-Aran A, et al. [Treatment of bipolar II disorderwith lamotrigine]. Actas Esp Psiquiatr. 2003;31:65-8.
doença. Mas, pelo menos nesse paciente – etalvez em outros casos de pacientes bipolares–, parece ser mais seguro não prescrever a
lamotrigina isoladamente, e sim em associaçãocom outro estabilizador do humor, como o lítio,
Em ensaios clínicos controlados com pacientesbipolares, a lamotrigina tem demonstrado eficácia notrata mento da f ase aguda da depress ão e,principalmente, na prevenção de novos episódiosdepressivos. É relatado o caso de um paciente bipolartipo II, ciclador rápido, que, durante um episódio
1. Hilty DM, Brady KT, Hales RE. A review of bipolar
depre ssivo, fez uso dessa substânci a, em
disorder among adults. Psychiatr Serv. 1999;50:201-13. monoterapia, e passou a apresentar um quadro
2. MacQueen GM, Young LT. Bipolar II disorder: symptoms,
course, and response to treatment. Psychiatr Serv. maníaco disfórico. Este remitiu logo após a retiradada medicação e foi sucedido por um novo episódio
3. T h as e M E, Sac h s GS. Bip o la r d e pr e s s io n :
depressivo. Essa ocorrência foi bastante inesperada
pharmacotherapy and related therapeutic strategies. Biol
diante dos dados clínicos da literatura científica, osquais associam a lamotrigina a uma taxa muito baixa
4. T a ma d a R S, La f e r B. [M a n ic e p is o d e s d u rin g
antidepressant treatment in bipolar disorder]. Rev BrasPsiquiatr. 2003;25:171-6.
Descritores: Transtorno bipolar, depressão, terapia,
5. Calabrese JR, Bowden CL, Sachs GS, Ascher JA,
Mon agha n E, Rudd GD. A d ouble-blind p lace bo-c o nt r o lle d st u d y o f la m o tr ig ine m on o t h er a p y inoutpatients with bipolar I depression. Lamictal 602 StudyGroup. J Clin Psychiatry. 1999;60:79-88.
6. Goldberg JF, Burdick KE. Cognitive side effects of
anticonvulsants. J Clin Psychiatry. 2001;62(Suppl
Controlled clinical trials involving bipolar patientshave shown that lamotrigine is effective in acute
7. Bowden CL, Calabrese JR, Sachs G, Yatham LN, Asghar
phase treatment of depression and mainly in the
SA, Hompland M, et al. A placebo-controlled 18-monthtrial of lamotrigine and lithium maintenance treatment in
prevention of new depressive episodes. We report
recently manic or hypomanic patients with bipolar I
the case of a bipolar II, rapid cycling patient who used
disorder. Arch Gen Psychiatry. 2003;60:392-400. lamotrigine (in monotherapy) during a depressive
8. Calabrese JR, Bowden CL, Sachs G, Yatham LN,
episode and developed a dysphoric manic episode.
Behnke K, Mehtonen OP, et al. A placebo-controlled 18-
This episode resolved soon after discontinuation of
month trial of lamotrigine and lithium maintenancetreatment in recently depressed patients with bipolar I
the drug and was followed by a new depressive
disorder. J Clin Psychiatry. 2003;64:1013-24. episode. The occurrence of the dysphoric manic
9. McElroy SL, Zarate CA, Cookson J, Suppes T, Huffman
episode was much unexpected, based on the clinical
RF, Greene P, et al. A 52-week, open-label continuation
data found in the liter ature, w hich asso ciate
s tu dy of la mo tr igine in t he tr ea t me nt of b ipo la r
lamotrigine with a very low rate of switch into mania.
depression. J Clin Psychiatry. 2004;65:204-10.
10. Khan A, Ginsberg LD, Asnis GM, Goodwin FK, Davis
Keywords: Bipolar disorder, depression, therapy,
KH, Krishnan AA, et al. Effect of lamotrigine on cognitivecomplaints in patients with bipolar I disorder. J Clin
Title: Can lamotrigine induce switch into mania?
11. Calabrese JR, Sullivan JR, Bowden CL, Suppes T,
Goldberg JF, Sachs GS, et al. Rash in multicenter trialsof lamotrigine in mood disorders: clinical relevance and
management. J Clin Psychiatry. 2002;63:1012-19.
12. Grunze H, Kasper S, Goodwin G, Bowden C, Baldwin D,
En los ensayos clínicos controlados con pacientes
Licht R, et al. World Federation of Societies of BiologicalPsychiatry (WFSBP) guidelines for biological treatment
bipolares, la lamotrigina mostró eficacia en el
of bipola r disorders. Par t I: Treatment o f bipolar
tratamiento de la fase aguda de la depresión y,
depression. World J Biol Psychiatry. 2002;3:115-24. principalmente, en la prevención de nuevos episodios
13. Malhi GS, Mitchell PB, Salim S. Bipolar depression:
depresivos. Describimos un caso de un paciente bipolar
management options. CNS Drugs. 2003;17:9-25. de tipo II, con un curso de ciclos rápidos, que, durante
14. Amsterdam JD, Garcia-Espana F, Fawcett J, Quitkin FM,
un episodio depresivo, tomó lamotrigina en
Reimherr FW, Rosenbaum JF, et al. Efficacy and safety
monoterapia, desarrollando un episodio maníaco
of fluoxetine in treating bipolar II major depressive
Rev Psiquiatr RS maio/ago 2005;27(2):206-209
Lamotrigina e virada maníaca – Cheniaux et alii
disfórico. Este episodio remitió pronto después de lasuspensión de la medicina y fue seguido por un nuevoepisodio depresivo. Esa ocurrencia fue bastanteinesperada si comparada a los datos clínicos de laliteratura científica, que muestran la lamotrigina conuna tasa muy baja de “viraje” para la manía.
Fone: (21) 2547-0670E-mail: echeniaux@globo.com
Palabras clave: Trastorno bipolar, depresión, terapia,lamotrigina.
Título: ¿Lamotrigina puede inducir manía?
Rev Psiquiatr RS maio/ago 2005;27(2):206-209
C.CLIN Sud-Est – Septembre 2004 Conduite à tenir en cas d’une épidémie de gale en établissement de santé Définition : la gale est une ectoparasitose (parasite externe) à Sarcoptes scabiei variété hominis qui vit dans l’épiderme humain, à l’origine d’une dermatose très prurigineuse et contagieuse. I. Contexte épidémiologique Le sarcopte a un aspec